Bruno Hoffmann, presidente do CAMP, falou ao O Globo sobre segmentação de público em campanhas políticas digitais
De ‘calmos’ a metaleiros, os alvos dos candidatos nas redes sociais
Propaganda sob medida permite que políticos escolham detalhes do eleitor que receberá suas mensagens
Na disputa pelo voto, os candidatos têm explorado ao máximo a segmentação de propaganda virtual, em especial no Facebook. Consagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nas eleições de 2016, a tática permite fazer com mais refinamento aquilo que os políticos tentam desde sempre: dizer o que um eleitor quer ouvir, seja ele professor, fã de heavy metal ou de MMA. Os supersticiosos também não ficam de fora e estão no alvo dos candidatos, que também passaram a disseminar propagandas para públicos de aliados e adversários.
O recurso é possibilitado pela captação em massa dos dados de todos os usuários pelo Facebook, que usa essas
informações para embasar sua ferramenta de venda de publicidade. Um anunciante, inclusive político — novidade
nestas eleições —, pode direcionar um conteúdo para usuários específicos com base em seus interesses, além de
filtros geográficos e demográficos.
Não é possível saber detalhadamente a estratégia usada por cada candidato. Isso porque o Facebook não divulga quais foram os públicos-alvo de um anúncio. Porém, as eleições brasileiras são as primeiras que possibilitam consultar o histórico de propagandas de um político ou partido, com informações sobre os resultados alcançados pelas mensagens. Quando o usuário visualiza uma publicidade — sendo impactado, no jargão do mercado —, é capaz de saber que característica do seu perfil entrou na mira do anunciante.
Entre os candidatos à Presidência, Henrique Meirelles (MDB) é o que mais tem usado o mecanismo: ele já
impulsionou 530 publicações. O ex-ministro da Fazenda tem combinado duas estratégias diferentes. Uma é a aposta em vídeos vídeos curtos, de cinco ou dez segundos, direcionados a públicos extremamente específicos — como surfistas, veterinários, supersticiosos, cozinheiros, eletricistas, arquitetos, entre outros. Cada um deles é acompanhado por um frase de efeito, como “bombeiros, a coisa está pegando fogo” ou “inteligentes, vocês já sabem o que fazer”. Um vídeo para costureiras, por exemplo, foi indicado apenas para mulheres com mais de 55 anos, enquanto as propagandas para rappers ou headbangers (fãs de heavy metal) foram para jovens. Outro, para “calmos”, atingiu todos os públicos, mas principalmente mulheres entre 35 e 44 anos.
O candidato do MDB também usou o recurso para atacar adversários. Ele impulsionou três publicações — duas apenas para mulheres, e outra para ambos os sexos — com um vídeo em que faz pesadas críticas a Jair Bolsonaro (PSL). No filme, o emedebista acusa o adversário de ser racista e de fazer apologia ao estupro.
Os demais presidenciáveis pagaram por um número menor de anúncios. Geraldo Alckmin (PSDB) fez 25 posts patrocinados. Diferentemente dos adversários, o tucano tem como objetivo aumentar o número de curtidas em sua página, que tinha 937 mil na noite de anteontem. Entre os principais candidatos, o tucano só supera Ciro Gomes (PDT), com 353 mil curtidas.
Até agora, já foram 38 publicações com essa diretriz. A maioria traz a frase “Nem 8 nem 80. Vamos de 45!”, que corresponde à estratégia de Alckmin de se colocar como candidato moderado, entre os extremos da esquerda e da direita. O público almejado varia em relação à idade e ao gênero, mas não para a localidade: em todas, o tucano deu preferência a São Paulo, estado que governou em dois mandatos, mas já apareceu atrás de Jair Bolsonaro (PSL) nas pesquisas.
Marina Silva (Rede) aposta no Facebook para crescer junto ao eleitorado feminino. A candidata já impulsionou oito publicações, sendo que cinco delas foram direcionadas apenas para mulheres. As postagens ressaltam sua trajetória: em três delas, destaca ser “mulher, negra e mãe de quatro filhos”; em outra, diz que sempre foi subestimada pelos outros; na quinta, aparece ao lado das quatro irmãs.
Ciro Gomes e Bolsonaro ainda não fizeram esse tipo de anúncio. As páginas de Lula, do PT e de Fernando Haddad, formalizado candidato a vice-presidente na chapa petista, também não têm anúncios ativos.
Enquanto presidenciáveis iniciam suas estratégias oficiais de propaganda nas redes, candidatos a outros cargos eletivos vêm usando a segmentação para consolidar seu eleitorado ou mirar diretamente os fãs de aliados e até adversários. O tiroteio de mensagens aparece com intensidade na esquerda do Rio. Nomes do PT e do PSOL disputam o campo progressista do estado.
Um dos alvos mais cobiçados é o deputado federal Jean Wyllys (PSOL), que tem mais de 1,2 milhões de curtidas em sua página do Facebook. De olho nisso, o senador Lindbergh Farias (PT) direcionou um de seus anúncios para os seguidores de Wyllys. O petista disputa uma das vagas do Rio ao Senado com Chico Alencar, colega de partido de Wyllys. Eliomar Coelho (PSOL) também direcionou publicidade para os seguidores do colega. Por outro lado, o PSOL deu o troco: o deputado federal Glauber Braga impulsionou um vídeo que resume sua atuação contra o impeachment de Dilma Rousseff para pessoas interessadas no PT. Filho do ex-governador Sérgio Cabral, o deputado federal Marco Antônio Cabral (MDB) exercitou a criatividade. Ex-secretário estadual de Esportes, ele promoveu um vídeo de apoio do ex-lutador Wallid Ismail especificamente para fãs de MMA.
Isso funciona porque também é possível tentar impactar pessoas com interesses específicos — definidos pelo algoritmo do Facebook com base em seus hábitos na rede social. O deputado federal Ezequiel Teixeira (Podemos) fez um vídeo criticando a “indústria das multas” para usuários interessados em estradas, ou seja, que costumam dirigir. Para especialistas, a nova forma de atingir o eleitorado exige apuro técnico das campanhas.
Segundo Márcio Gonçalves, professor de marketing digital do Ibmec-RJ, a segmentação de anúncios pede uma estratégia pouco tradicional. Se no tempo de rádio e TV o objetivo é falar com todo o eleitorado de uma só vez, nas redes cada postagem deve ser direcionada a um alvo específico.
“Há uma concorrência entre os candidatos para saber quem está mais presente no mundo digital. O eleitor do adversário é frequentemente almejado porque pode mudar de voto” — resume.
Para Bruno Hoffmann, presidente do Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político, por limitações técnicas, as campanhas nem sempre conseguem aproveitar o impulsionamento:
“Na campanha digital, você tem todos os dados. Não é como produzir um panfleto, um jornal ou um santinho, quando você não tem a menor ideia de quem leu, guardou ou jogou fora. Não adianta ter muito informação e não saber o que fazer.”